CLARICE NA CABECEIRA

Ganhei dois livros de presente do meu namorado no dia dos namorados.
O primeiro eu terminei de ler essa semana.
Ganhei o "Clarice na Cabeceira" que foi organizado por Tereza Monteiro.

Selecionei um dos contos do livro para publicar aqui no blog. Foi difícil escolher apenas um conto para publicar porque sempre tinha um que achava que mais interessante que outro, mas quando chegou ao final do livro pensei:
- Qual conto vou postar?
Optei pelo menor e este foi o conto que mais ri lendo, eu espero que vocês gostem.

RUÍDO DE PASSOS
Tinha oitenta e um anos de idade. Chamava-se dona Cândida Raposo.

Essa senhora tinha a vertigem de viver. A vertigem se acentuava quando ia passar dias numa fazenda: a altitude, o verde das arvores, a chuva, tudo isso a piorava. Quando ouvia Liszt se arrepiava toda. Fora linda na juventude. E tinha vertigem quando cheirava profundamente uma rosa.

Pois foi quando dona Cândida Raposo que o desejo de prazer não passava.

Teve enfim a grande coragem de ir a um ginecologista. E perguntou-lhe envergonhada, de cabeça baixa:

- Quando é que passa?

- Passa o quê, minha senhora?

- A coisa.

- Que coisa?

- A coisa, repetiu. O desejo de prazer, disse enfim.

- Minha senhora, lamento lhe dizer que não passa nunca.

Olhou- o espantada.

- Mas eu tenho oitenta e um anos de idade!

- Não importa, minha senhora. É até morrer.

- Mas isso é o inferno!

- É a vida, senhora Raposo.

A vida era isso, então? Essa falta de vergonha?

- E o que é que eu faço? Ninguém me quer mais...

O médico olhou-a com piedade.

- Não há remédio, minha senhora.

- E se eu pagasse?

- Não ia adiantar de nada. A senhora tem que se lembrar que tem oitenta e um anos de idade.

- E... e se eu me arranjasse sozinha? O senhor entende o que eu quero dizer?

- É, disse o médico. Pode ser um remédio.

Então saiu do consultório. A filha esperava-a embaixo, de carro. Um filho Cândida Raposo perdera na guerra, era um pracinha. Tinha essa intolerável dor no coração: a de sobreviver a um ser adorado.

Nessa mesma noite deu um jeito e solitária satisfez-se. Mudos fogos de artifícios. Depois chorou. Tinha vergonha. Daí em diante usaria o mesmo processo. Sempre triste. É a vida, senhora Raposo, é a vida. Até a benção da morte.

A morte.

Pareceu-lhe ouvir ruído de passos. Os passos de seu marido Antenor Raposo.

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